segunda-feira, 23 de julho de 2012

UM NOVO LIVRO SOBRE O SUDÁRIO DE TURIM?

PARECER CRÍTICO SOBRE « THE SIGN: THE SHROUD OF TURIN AND THE SECRET OF THE RESURRECTION» de Thomas de Wesselow

Em Março deste ano (2012) a editora britânica Penguin publicou uma obra entitulada «The Sign: The Shroud of Turin and the Secret of the Resurrection» da autoria de Thomas de Wesselow, um historiador de arte assumidamente agnóstico.
Muito divulgada em termos publicitários, talvez pela capacidade da poderosa editora, passadas poucas semanas já era possível encontrar por pesquisa na internet a versão em língua portuguesa (do Brazil), com o apelativo título «O Sinal: O Santo Sudário de Turim e o Segredo da Ressurreição», talvez para com a inclusão do adjectivo «Santo» atrair a atenção do público de um pais com uma esmagadora maioria de católicos, e rapidamente surgiram apreciações críticas em sites anglo-saxónicos mas também em sites brazileiros.

Obviamente a publicação de um a obra abordando o Sudário de Turim foi para mim quase uma compulsão para efectuar a sua aquisição na versão original em língua inglesa ,não obstante o seu conteúdo não fosse novidade pois as criticas que li, nomeadamente no excelente congénere blog americano , Shroud of Turin Blog, não fossem muito abonatórias, parti mente aberta à exploração das 348 páginas de texto.

A obra está estructurada em 7 partes e 27 capítulos, integrando também uma considerável quantidade de imagens aliás de excelente qualidade, embora muitas sem relação com o Sudário de Turim.
Também fazem parte da obra abundantíssimas referências bibliográficas a obras literárias sobre as Escrituras e Cristianismo, sobre o Sudário de Turim incluindo alguns trabalhos científicos, referências a notícias na web e outras.

A linguagem utilizada é de um fluente, colorido e rebuscado inglês literário, de frases muitas vezes complexas, não muito acessível a um leitor com conhecimento médio da língua, obrigando à companhia de um bom diccionário, e a frequente inclusão no texto de referências bibliográficas, bem como notas de rodapé, obriga a inúmeras interrupções de leitura, e a nelas meditar pois o autor muitas vezes inclui nessas notas a sua opinião e interpretação.


O autor, Thomas de Wesselow historiador de arte o qual se assume como agnóstico, interessou-se desde hà vários anos pelo Sudário de Turim, pois como conhecedor da arte do período medieval refutou desde o inicio a possibilidade da imagem patente no Sudário obedecer aos padrões conhecidos dos artífices desse período, tanto mais que a imagem tem codificados atributos não enquadráveis numa hipotética elaboração medieval.
Tal como Sir Isaac Newton descobriu num rasgo de inspiração a lei da gravidade quando uma maçã lhe caiu na cabeça, Thomas de Wesselow teve a sua epifania sindonológica em 2004 quando meditava num edílico pomar, resolvendo empreender num projecto pessoal que iria resolver de uma assentada dois grandes mistérios remanescentes neste século XX!- o Sudário de Turim e a Ressurreição de Jesus Cristo !


A obra inicia-se por uma séria abordagem desciptiva de conteúdos de escrituras do Antigo e do Novo Testamento, incluindo abundantes referências e análise  aos escritos paulinos e Actos dos Apóstolos, duma forma respeitosa e com uma exegese que embora pessoal e nalguns casos discordante da feita por peritos em exegese bíblica, não choca o cristão conhecedor das escrituras ( contrariamente a uma obra portuguesa de um conhecido autor surgida no ano passado…).
O autor credibiliza as Cartas de S. Paulo mas assumidamente desvaloriza o conteúdo factual dos Actos dos Apóstolos …

  No que concerne ao Sudário de Turim a abordagem do autor é francamente decepcionante, pois além de relativamente sumária, é muito pouco abrangente no que respeita ao vasto conhecimento científico adquirido ao longo dos tempos sobre a relíquia mais venerada da Cristandade.
Não vamos obviamente analisar linha por linha a obra, mas no que respeita ao percurso histórico o autor de certa forma decalca a teoria do historiador britânico Ian Wilson, todavia com a agravante de a distorcer em alguns aspectos, nomeadamente no episódio do túmulo vazio do capítulo 20 do evangelho de S. João, tentando fazer prevalecer a sua opinião de que o que levou o discípulo a «acreditar» foi a peça de tecido que envolveu a cabeça de Jesus, enrolada à parte, desvalorizando completamente os «panos» ou «lençóis».
Também acrescenta mais um local ao percurso histórico inicial presumível do Sudário, a localidade de Damasco-o que é realmente uma novidade!- adiante veremos as suas razões.

Os aspectos científicos e controvérsias são abordados ao de leve (embora globalmente de uma forma correcta), todavia a análise de um conhecedor de arte e implicitamente das proporções corporais anatómicas à problemática das algumas desproporções anatómicas da Imagem Sindónica fique bastante aquém do esperado.
Os aspectos forenses da flagelação e crucifixão, nomeadamente lesionais, manchas e escorrências sanguíneas, são descritos com algum pormenor, no entanto a opinião do autor é em alguns casos discordante!!!nomeadamente na génese da escorrência da ferida da lança/trajectos sanguíneos lombares, relativamente à emitida por médicos peritos de patologia forense, e até do pioneiro da sindonologia científica, o Dr Pierre Barbet , o qual efectuou estudos experimentais sobre crucifixão em cadáveres nos anos trinta do século passado.
Por exemplo o autor «supõe» com a maior das naturalidades, para justificar o seu ponto de vista quanto à origem de determinadas escorrências sanguíneas, que o corpo foi virado de barriga para baixo num alegado processo de lavagem, ignorando pura e simplesmente que os ritos funerários judaicos proibiam que o corpo fosse alguma vez colocado em tal posição…
Parece-me presunçoso e mesmo arrogante um historiador de arte pôr em causa pareceres nomeadamente experimentais de médicos especialistas na matéria, como o fez relativamente ao Dr. Pierre Barbet.

Relativamente à questão de como se formou a imagem corporal no Sudário, Thomas de Wesselow menciona ao de leve mas desvaloriza as principais teorias nomeadamente as envolvendo qualquer forma energética radiante, concentrando todas as suas forças a defender e assumir como a única explicação plausível a teoria da reacção amino-carbonilo ou reacção de Maillard do Professor Raymond Rogers e da bioquímica Drª Anna Arnoldi.
Contrariamente aos próprios proponentes da teoria que admitem que esta não explica vários achados da imagem sindónica e ignorando críticas de outros cientistas, de Wesselow assume uma atitude de crença cega na validade da mesma!

Todavia o clímax da obra ( o que não me surpreendeu , pois tinha lido previamente várias críticas…) consta bàsicamente no seguinte:
Na interpretação do autor, o Sudário é autêntico pois nele está patente a enigmática imagem corporal do Jesus Cristo histórico a qual se teria formado no tecido por um processo natural perfeitamente explicável do ponto de vista científico.
Aqui está a primeira falácia, pois essa teoria não explica várias características da imagem sindónica, e tão pouco explica a coincidência do corpo ser removido do contacto com o tecido antes de uma eventual imagem ficar «saturada» e completamente indefinida, e o autor também não questiona sequer porque é que não existem mais imagens assim, porque se isso aconteceu dessa forma, ocorreu uma única vez na História e com um único homem.
Depois o autor tenta introduzir o Sudário e a sua imagem nos relatos evangélicos do túmulo vazio, procurando explicar racionalmente a Ressurreição de Jesus Cristo.
Para Thomas de Wesselow, Madalena , as santas mulheres e os apóstolos Pedro e João teriam visto as misteriosas imagens corporais patentes no lençol funerário, ficando convencidos que isso era um sinal de Deus que o Mestre tinha ressuscitado dos mortos.
Todavia, para de Wesselow, o episódio do túmulo vazio seria uma construção cristã ulterior, e argumenta especulando que quem entrou no túmulo para ungir o corpo de Jesus viu as imagens, teria levado o lençol funerário, mas não explica claramente o que teriam feito ao corpo, e admite mesmo a possibilidade dos restos mortais de Jesus terem sido colocados no mediático Túmulo de Talpiot. 
 De Wesselow além de não ser convincente com o argumento que o Sudário seria a própria ressurreição não fornece qualquer argumento plausível contra a descrição nos evangelhos do episódio do túmulo vazio, e entra num terreno pantanoso tentando «ressuscitar» um nado-morto, referimo-nos à teoria ficcional de que no Sepulcro de Talpiot estariam entre outros o ossário de Jesus Cristo, teoria completamente refutada pelos académicos que efectuaram o achado arqueológico em 1980 e que após uma recente «exumação» descansa em paz para todo o sempre.
Para além disso repesca o estafado mito da relação marital de Jesus Cristo e Maria Madalena, situação não descrita em nenhuma fonte nem mesmo nos evangelhos apócrifos de Maria ou de Filipe.

Thomas de Wesselow prossegue teorizando que os relatos doe evangelhos canónicos referentes às aparições de Cristo ressuscitado aos apóstolos, foram sim visualizações do Sudário com a imagem corporal de Cristo, admitindo que as referências Paulinas  às aparições de Cristo ressuscitado a S.Paulo, Pedro Tiago e aos doze apóstolos não passaram disso mesmo e a famosa aparição «a quinhentos dos nossos irmãos alguns dos quais ainda estão vivos», teria sido uma exibição publica do Sudário!!!
Na nossa humilde opinião, De Wesselow foi longe de mais na sua «exegese» do Novo Testamento, pois se existisse uma réstia de verdade na sua hipótese, nomeadamente na alegada exibição pública do Sudário, concerteza haveria algum relato de tal acontecimento, e o percurso histórico do Sudário teria uma lacuna preenchida.
Também tenta de uma forma nebulosa explicar o episódio da conversão de Paulo perseguidor dos cristãos, recordamos a visão de Jesus Cristo que Paulo afirmou ter experienciado na estrada de Damasco,  pela alegada visualização do Sudário em Damasco, localidade para onde supõe (mais uma vez…) que o Sudário tenha sido levado por discípulos.
O autor defende a concepção Paulina de uma «ressurreição espiritual» (não explica o que isso representa, nem nós sabemos o que isso poderá significar…) e condena o conceito da ressurreição física corporal de Jesus Cristo, que segundo advoga teria sido uma construcção ulterior lendário-ficcional por posteriores gerações de cristãos de finais do século I , inícios do II século quando o Sudário estaria oculto em Edessa.

Grosso modo, mais de um terço do livro é uma tentativa sem dúvida hábil de convencer o leitor de que o Sudário com a imagem corporal de Cristo flagelado e crucificado esteve na origem do alegado mito posterior que Jesus Cristo teria ressuscitado «corporalmente» dos mortos, recorrendo a argumentação especulativa e tentando com ela explicar múltiplas passagens do Novo Testamento, correlacionando-as (muitas vezes de uma forma forçada…) com outras do Antigo Testamento.

O autor,como agnóstico não consegue compreender o que intrigou o historiador E.P.Sanders (aliás uma das suas fontes citadas na bibliografia) o qual presume que algo de extraordinário deve ter acontecido depois da morte de Jesus Cristo para que aquele punhado de homens amedrontados depois da morte do seu Mestre, tenha ficado cheio de coragem para divulgar os ensinamentos, mesmo sabendo que poderiam enfrentar o martírio e a execução.

Contràriamente a De Wesselow que afirma categòricamente que o Sudário é a Ressurreição, e a explosão do Cristianismo no século I tem directamente nele a sua origem, a nossa interpretação vai noutro sentido, pois parece-nos muito forçado admitir que a visualização daquela imagem corporal mal definida no lençol funerário fosse o único factor que encheu os discípulos de coragem, e tudo o resto pura fantasia.
Para nós, sem dúvida o que não está explicitamente descrito no episódio do túmulo vazio no capitulo 20 do evangelho de S. João ( «viu e acreditou»)proporcionou aos apóstolos Pedro e João compreenderem a  ausência do corpo do Mestre, mas o que se seguiu, isso sim foi a verdadeira razão da explosão da mensagem da Boa-Nova e do nascimento do Cristianismo como crença, e da sua afirmação no poderoso Império Romano.

Não é totalmente negativa a nossa apreciação desta obra, pois apresenta de uma forma séria muitas passagens das escrituras, algumas que não conhecíamos, embora muitas vezes a exegese que delas faz o autor seja absolutamente especulativa e até fantasiosa, tem imagens de qualidade, e não deixa de ser uma mais valia para a Sindonologia o interesse e a assumpção explicita de autenticidade do Sudário de Turim por um perito de arte agnóstico.
No entanto, não consideramos  «strictu sensu» este livro uma obra sobre o Sudário, mas sim talvez a Tese de Doutoramento defendida por Thomas de Wesselow.

                                                                                           Julho 2012
                                                                               Antero de Frias Moreira