O VÉU DE VERÓNICA, A IMAGEM DE EDESSA E O SANTO SUDÁRIO DE TURIM-QUE RELAÇÃO?
Várias vezes me tem perguntado se o Véu de Verónica é o Santo Sudário de Turim,e embora desde já categòricamente responda pela negativa, essa confusão é uma realidade, alicerçada em algumas divulgações temáticas que lançam a confusão.
Embora o assunto seja muito abrangente e complexo do ponto de vista histórico, irei tentar de uma forma necessàriamente muito sucinta, focar os aspectos que me parecem mais relevantes.
O VÉU DE VERÓNICA
O episódio em que uma mulher piedosa de Jerusalém limpa com um pano, o rosto de Jesus Cristo no Seu caminho para o Calvário, ficando o rosto de Cristo impresso nesse pano, não vem descrito nos evangelhos canónicos, mas sim no evangelho apócrifo de Nicodemus também conhecido como Actos de Pilatos, escrito possivelmente no século IV da nossa era.
Nesses escritos é inclusivamente referido o poder miraculoso desse pano, o qual teria sido levado por Verónica para Roma e teria curado o Imperador Tibério da enfermidade de que padecia.
Òbviamente trata-se de uma lenda, não obstante, a tradição piedosa cristã incluiu na sexta estação da Via Sacra a cena de Verónica a limpar o rosto de Jesus, aliás o vocábulo Verónica resulta de junção da palavra latina «vera»- verdadeira com o vocábulo grego «icon»- imagem reportando-se à verdadeira imagem de Cristo.
Essa crença na actual forma só se implementou na Europa ocidental a partir do século XIII.
Existem muitas pinturas nomeadamente de pintores célebres alusivas ao episódio, nos quais o aspecto facial de Cristo é nitidamente inspirado na imagem do Pano de Edessa ou Mandylion (que abordaremos seguidamente), mas também existem pelo menos duas relíquias (ou uma?) designadas como «Véu de Verónica.
Existiria em Roma desde o século VIII no pontificado de João VII, uma relíquia designada como Véu de Verónica a qual passou a ser públicamente exposta ao público no pontificado de Innocêncio III a partir de 1207.
Todavia após o saque de Roma em 1527 pelas tropas do Imperador Carlos V teria sido subtraída à autoridade papal, mas as opiniões divergem admitindo-se a possibilidade de que continue no Vaticano, mas também de que tendo sido roubada, foi entregue no século XVII aos frades capuchinhos da localidade de Manopello, onde hoje é venerada uma relíquia designada como a Imagem de Manopello, a qual já foi submetida a alguns estudos, na nossa opinião inconclusivos quanto a uma possivel «autenticidade».
O SUDÁRIO DE CRISTO-SANTO SUDÁRIO DE TURIM E A IMAGEM DE EDESSA
Sudário de Cristo / Santo Sudário de Turim
A questão fulcral é se existiu um «Sudário de Cristo» em Constantinopla, o qual desapareceu aquando do saque dessa cidade em 1204 pelos cruzados da 4ª Cruzada, e que mais tarde aparece na Europa em 1356 apresentado aos fieis pelo cavaleiro Geoffroy de Charny em Lirey-França.
Será que esse sudário é o actual Sudário de Turim, do qual se conhece perfeitamente o trajecto histórico até essa cidade italiana?
A resposta É AFIRMATIVA.
Não há qualquer dúvida de que em Constantinopla a partir de 944 existia um «sudário de Cristo».
Nicholas Mesarites, curador das relíquias imperiais bizantinas refere em 1201, inequivocamente o pano que envolveu o Corpo de Cristo no sepulcro e no qual era possivel observar a imagem do Seu corpo desnudado.
O facto de referir especificamente uma imagem de um corpo desnudado, absolutamente contra os «padrões» religiosos e morais da época, aponta para a veracidade do relato.
Também o relato do cavaleiro Robert de Clari cruzado da 4ª Cruzada, na sua obra «La Conquête de Constantinople» menciona que todas as sextas feiras era exibido na Igreja de Santa Maria de Blacherne em Constantinopla, o lençol que envolveu o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo no sepulcro, e no qual estava patente a imagem do Seu corpo, o qual desapareceu depois do saque da cidade.
Ainda na mesma linha, recordamos a carta escrita ao Papa Innocêncio III em 1205 por Theodoros Angellus, sobrinho do Imperador, relatando o roubo das relíquias, entre elas a mais sagrada, o lençol que envolveu o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Para além destes factos, do ponto de vista artistico a partir do século XI começaram a ser utilizados nas cerimónias liturgicas bizantinas os «Epitaphioi» que eram peças de tecido bordadas, representando no que simbolizava um lençol a imagem do Corpo de Cristo numa atitude corporal nitidamente inspirada na imagem do Santo Sudário.
Embora as opiniões de historiadores se dividam sobre o que aconteceu após o saque de Constantinopla, haverá duas possibilidades(que não iremos desenvolver)para a continuação do percurso histórico do Sudário de Cristo na Europa, ou de ter estado na posse dos Templários, ou de ter estado na posse de Othon de la Roche, um nobre que participou na cruzada e posteriormente o Duque Latino de Athenas, e era antepassado de Jeanne de Vergy a qual casou com o referido cavaleiro Geoffroy de Cahrny, levando como dote de casamento a cobiçada relíquia.
Mas, como é que esse Sudário de Cristo chegou a Constantinopla?
Em 944 o Imperador bizantino Romanus Lecapenus ordenou ao seu general João Kurkuas o resgate da relíquia mais venerada da cristandade do Oriente, precisamente o Mandylion ou Pano (ou Imagem) de Edessa, pois essa cidade estava em poder dos muçulmanos, os quais não obstante toleravam o culto dos cristãos.
Efectivamente foi conseguido o seu resgate sem ter sido vertido sangue, a troco de uma elevadíssima quantia monetária em ouro e concessões estratégicas.
Existem múltiplas representações da Imagem de Edessa ou Mandylion elaboradas ao longo do tempo por diferentes artistas.
Representação da Imagem de Edessa ou Mandylion
O investigador Dr. Alan Whanger desenvolveu um método de estudo e análise comparativa de imagen,s designado por Polarized Image Overlay Technique,método esse inclusivamente utilizado em perícias forenses nos Estados Unidos, o qual através da determinação do número dos chamados «pontos de congruência» permite inferir a relação entre duas imagens.
Esse método quando aplicado ao estudo das imagens da face de Cristo nas representações artisticas do Pano de Edessa permite concluir que o modelo da face foi inspirado da face patente no actual Sudário de Turim.
Existem efectivamente argumentos que nos permitem concluir que o Mandylion ou Imagem de Edessa era o Sudário de Cristo dobrado de forma a apresentar visivel apenas a face emoldurada..
O académico italiano professor Gino Zaninotto descobriu nos Arquivos do Vaticano um Códex designado como «Codex Vossianus Latinus» no qual se pode ler referindo-se à Imagem de Edessa «non tantum faciei figuram sed totius corporis figuram cernere poteris» ou seja «poderás ver não só a face como todo o Seu corpo».
Efectivamente uma gravura do século XII, contida numa crónica de João Skilitzes relativa à chegada do Mandylion à côrte imperial em Constantinopla, evidencia que essa reliquia não era apenas um «pano» mas sim um lençol.
Gravura sec XII-O Imperador Romanus Lecapenus recebendo a Imagem de Edessa
Os Actos de Thaddeus do século VI referindo-se ao Pano de Edessa designam-no como um «sindon tetradiplon», ou seja um lençol dobrado em quatro partes sendo um dos argumentos avançados pelo historiador britânico Ian Wilson o qual identificou o actual Sudário de Turim com a Imagem de Edessa.
O físico professor John Jackson da equipe S.T.U.R.P. estudou fotografias do Sudário de Turim obtidas com luz tangencial designadas «raking light photographs» nas quais eram nitidamente evidenciadas todas as rugas e vincos impressos no lençol ao longo dos tempos.
Foram por este método de imagem definidas dobras compativeis com o Sudário ter sido dobrado em quatro partes de maneira a mostrar apenas a face, corroborando a teoria de Ian Wilson.
Sudário de Turim dobrado em quatro partes; no canto superior direito, imagem alusiva à entrega do Pano de Edessa pelo apóstolo Thaddeus ao rei Abgar de Edessa.
Recuando um pouco mais, é legitimo questionar como apareceu em Edessa,(cidade no sudeste da Turquia, a actual Sanliurfa) o Pano de Edesssa?
Teremos que nos basear na lenda do Rei Abgar de Edessa, relatada em versões diferentes, respectivamente na Historia Ecclesiástica-seculo IV de Eusébio de Cesareia, nos textos da Doutrina de Addai de século V e nos já mencionados Actos de Thaddeus do século VI.
Fazendo uma súmula das várias versões dessa lenda relata-se que reinava em Edessa o rei Abgar, o qual padecia de uma doença incurável- presumívelmente lepra- e tendo conhecimento dos milagres operados por Jesus enviou um emissário de nome Ananias pedindo-Lhe que o visitasse.
Jesus teria dito ao emissário que tinha uma missão a cumprir mas mandar-lhe-ia um seu discípulo.
Após a Sua morte e Ressurreição, o apóstolo Thaddeus deslocou-se a Edessa com um pano no qual estava impressa a imagem do Mestre e a qual tocando o Rei Abgar o curou da sua doença, convertendo-se o Rei Abgar ao Cristianismo.
Após a sua morte houve uma regressão às práticas pagãs, sendo o Pano de Edessa escondido num nicho das muralhas e tendo sido redescoberto em 525 aquando de uma cheia que fez desabar parte da muralha.
A partir daí a Imagem de Edessa passou a ser venerada como o «Paladino» da cidade, tendo o Imperador bizantino Justiniano I mandado construir um templo para sua guarda, nos moldes da Hagia Sophia de Constantinopla.
È pois perfeitamente legítimo inferir com base na alegoria da lenda de Abgar, que o lençol funerário de Jesus, que ficou presumívelmente na posse dos Apóstolos, tenha sido levado posteriormente para Edessa, e assim fechamos o trajecto Jerusalém-Turim.
CONCLUSÃO
O Véu de Verónica baseia-se numa lenda que nada tem a ver com o Santo Sudário de Turim a não ser a Paixão de Cristo, e o facto de as suas representações artisticas basearem a morfologia facial de Cristo nas do Mandylion ou Imagem de Edessa.
Ainda não existem estudos conclusivos que permitam classificar decididamente a Imagem de Manopello (alegadamente o véu de Verónica) como uma «imagem acheiropoietos»(Imagem que não foi feita pela mão do homem).
O actual Sudário de Turim, o Sudário de Cristo de Constantinopla e o Mandylion ou Imagem de Edessa são a mesma e verdadeira relíquia da Paixão de Cristo e o elemento que permite inferir que a Ressurreição de Cristo foi um facto físico real que deixou a sua marca naquele lençol como testemunho para a Humanidade.
Boas-Festas
Antero de Frias Moreira
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