Julho 2018
Antero de Frias Moreira*
*Médico- Especialista de Medicina
Física e de Reabilitação
Resumo. Tendo sido publicado um
estudo forense sobre as manchas sanguíneas patentes no Sudário de Turim
alegadamente utilizando técnicas que reproduziriam as condições em que estas se
teriam produzido num crucificado suspenso na cruz, é efectuada uma análise
critica, comparando com dados forenses de anteriores trabalhos, bem como
aspectos anatómicos e fisiopatológicos.
Conclui-se que inequivocamente o
estudo em causa não reuniu as alegadas condições sendo portanto as suas
conclusões para descartar.
Abstract: A forensic study on the Shroud of
Turin bloodstains has been published, allegedly employing techniques that would
reproduce the conditions by which they had been produced on a crucified man
hanging on the cross, and a critical approach is done, comparing known forensic
data from previous studies and anatomical and physiopathological aspects.
It is unequivocally concluded that the actual
study did not manage to gather the alleged conditions and its conclusions are
thus meaningless.
Introdução
Em meados deste mês de Julho a comunicação social na Web
propalou intensamente a notícia de que um novo estudo desenvolvido por peritos
forenses, aplicando sofisticados métodos de análise, a manchas sanguíneas
patentes no Sudário de Turim, teriam chegado à conclusão de que haveria
incompatibilidade das mesmas com a situação de um crucificado que sofreu
adicionalmente uma ferida perfurante post mortem no hemitorax direito, logo
questionava aparentemente com razão, a autenticidade do Sudário de Turim.
Damos como exemplo a notícia em língua inglesa The Blood
stains on the Shroud of Turin seem totally fake, study claims , Michelle Starr
10 July 2018 Science Alert https://www.sciencealert.com/shroud-of-turin-bloodstain-pattern-analysis-unrealistic-hoax-borrini-garlaschelli , mas muitas outras mais ou menos
completas estão disponíveis na Web.
Efectivamente o químico italiano Professor Luigi Garlaschelli
e o antropólogo forense da Universidade de Liverpool Dr. Matteo Borrini
publicaram na revista científica Journal
of Forensic Sciences um artigo intitulado «A BPA Approach to the Shroud of
Turin» disponível no site . https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1556-4029.13867 .
Tratando-se de um estudo alegadamente de caracter forense,
onde supostamente teriam sido utilizados sofisticados métodos de análise
experimental e que basicamente concluiu:
1-Os padrões de manchas sanguíneas patentes nos membros
superiores nomeadamente no antebraço
esquerdo do Sudário de Turim não são compatíveis com os que se formariam
nos membros superiores de um crucificado na cruz, e posteriormente transpostos
para o tecido.
2- A ferida perfurante do hemitórax direito produzida num
crucificado na cruz, nunca poderia produzir uma mancha como a patente na imagem ventral do Sudário de
Turim, nem as manchas patentes na área lombar da imagem ventral ( o designado
«blood belt») nem pela movimentação do corpo apos remoção da cruz.
3- É também questionado se as manchas no Sudário são mesmo
sangue então teriam sido pintadas, mas é também referida a possibilidade de as
manchas sanguíneas serem óxido de ferro.
Para quem não conhece a realidade dos rigorosos estudos
científicos realizados no Sudário, esta(s) noticia(s) poderão fazer vacilar a
crença na autenticidade da relíquia, pelo que me sinto na obrigação de
honestamente esclarecer a realidade dos factos.
A realidade dos factos
1-Efectivamente, o dito «estudo», nada tem de novo pois já em
Abril de 2015 os citados cientistas comunicaram aos media a realização do seu
estudo inclusivemente disponibilizando no canal youtube um vídeo onde se pode
observar os métodos utilizados do qual forneço o link BPA Shroud Borrini
Garlaschelli 2 https://www.youtube.com/watch?v=SNzVc1MqJ2s
, vídeo esse que mostra a base experimental do seu «trabalho».
2- No vídeo youtube mencionado, observa-se que os métodos utilizados
nada tem de sofisticado( convidamos os leitores leigos a visualizar esse vídeo
e fazerem o seu próprio juízo…)
- O modelo humano é
o próprio Dr. Luigi Garlaschelli
- Talvez para impressionar,
vè-se o inicio de extracção de sangue
com uma seringa de uma veia da região anterior do cotovelo, e posteriormente a
utilização de um sistema de saco de sangue (mas será sangue??) e um tubo de
plástico de pequeno calibre com a extremidade fixada por fitas adesivas a nível
da região dorsal do punho esquerdo, donde goteja o alegado sangue, e várias
medições angulares dos trajectos sanguíneos no antebraço esquerdo em função da
elevação do membro, com um dispositivo de medição angular perfeitamente banal.
- No que respeita à
ferida do lado, não resisto em classificar o método de verdadeiramente
hilariante, pois é utilizado um modelo de um tronco de manequim de plástico, e
a simulação da ferida perfurante é realizada com uma esponja embebida na ponta
de um pau, previamente mergulhada numa solução de cor avermelhada proveniente
dum frasco onde pode ler-se Blood Spatter, e que é (pasme-se) esfregada no
manequim produzindo escorrências lineares descendentes.
3- Esse assunto foi já apresentado no fórum americano de
caracter científico «Shroud of Turin Blog em 11
de Abril de 2015 com o título «New Garlaschelli and Borrini study» onde
vários bloggers (eu incluído) fizeram as suas apreciações e do qual forneço o
respectivo link https://shroudstory.com/?s=matteo+borrini , e sublinho que a principal crítica
é de que as conclusões dos autores foram obtidas através de métodos que não
reproduzem as condições em que o sangramento possa ter ocorrido num crucificado
suspenso na cruz, ao qual para confirmar a morte, foi produzida uma ferida
perfurante do hemitórax direito.
Nesse mesmo fórum o Dr. Thibault Heimburger, médico,
apresenta um seu interessante trabalho experimental não publicado, com
fotografias disponíveis, onde concluiu que os trajectos sanguíneos nos membros
superiores são semelhantes aos patentes na imagem do Sudário.
Em 2010 o médico Dr. Gilbert Lavoie apresentou um
interessante trabalho no International Workshop on the Scientific approach to
the Acheiropoetos Images- Frascati, Itália, no qual os trajecto sanguíneos no
antebraço direito e mancha externa no cotovelo, na imagem ventral do Sudário
são analisados com técnica de decalque em tamanho real e recurso a voluntário humano,
sendo a conclusão desse interessante estudo que ESSES TRAJECTOS SANGUÍNEOS SE
PRODUZIRAM NO MEMBRO SUPERIOR DE UM CRUCIFICADO SUSPENSO NA CRUZ, e a mancha externa ao cotovelo, aparentemente
desconectada da imagem formou-se sim, na região posterior do segmento braço.
4- Aspectos muito
importantes que esse «estudo» negligenciou
O estudo em questão
baseou as suas conclusões em pressupostos que pouco ou nada tem a ver com a
triste e dura realidade duma crucificação.
Trajectos sanguíneos
nos membros superiores
Sem entrar em detalhes anatómicos fastidiosos, terei que
mencionar que na crucificação como é sabido, os membros superiores são fixados
à parte horizontal da cruz (o «patibulum») não pela palma (região dos ossos
metacarpianos) das mãos mas sim por cravos que transfixiam o carpo (conjunto de
ossos entre os ossos do antebraço e os ossos metacarpianos na mão)
proporcionando fixação sólida.
A região do carpo tem uma vascularização arterial pobre
através de pequenos ramos das artérias radial e cubital, e na posição dos
membros superiores na cruz, para além da diminuição da pressão arterial por
efeito da gravidade haverá a considerar a presumível situação de pré-choque
hemorrágico pelos prévios supliceos infligidos, o que como corolário irá
condicionar um fluxo sanguíneo muito escasso e lento a partir das feridas nos
punhos, constituído por uma mistura de sangue arterial e venoso.
Esse sangue escorreria lentamente nos antebraços por acção da
gravidade, mas os trajectos definitivos
iriam ser modulados por variados factores:
- Adição progressiva e lenta de sangue ao que fluiu previamente e
entretanto já estava coagulado.
-Presença de suor e presumivelmente de partículas minerais de poeiras
aderidas à pele dos membros superiores
-
Contracções musculares e relevos tendinosos nos membros superiores
-
Movimentos dos membros superiores nomeadamente devido a dores excruciantes e
aquando da elevação corporal para evitar a morte por asfixia, possibilidade de
flexão a nível dos cotovelos aquando da elevação do corpo
-
Outros eventuais factores desconhecidos
Fig-1 Sudário de
Turim-trajectos sanguíneos região dorsal do punho e antebraço anatómicos
esquerdos (imagem ventral)
Ferida no Hemitórax
direito (ferida da lança)
Através de experiências no cadáver, nos anos 30 do século
passado, o cirurgião do Hospital de Saint Joseph- Paris, Professor Pierre
Barbet concluiu que uma ferida perfurante no hemitórax direito na topografia
definida na imagem ventral do Sudário de Turim cerca do 5º espaço intercostal,
atravessaria num trajecto de cerca de 10 cm, com uma angulação ascendente de
cerca de 20º, sucessivamente a parede toráxica, pleura parietal, pleura visceral,
tecido pulmonar e iria perfurar o
coração a nivel da aurícula direita, cavidade cardíaca que contem sangue após a
morte proveniente das veias cavas, pois após a morte os ventrículos estão
vazios.
Partindo do princípio que devido aos eventos traumáticos que
precederam a morte nomeadamente contusões toráxicas, se teriam formado derrames
a nível pleural e pericárdico, tal facto explica que a ferida perfurante do
hemitórax direito infligida após a morte possa ter produzido a extrusão de um
fluido avermelhado- o sangue- e de um fluido de cor clara semelhante a água que
não seria outra coisa senão fluido de derrame.
Fig 2- Sudário de Turim-mancha hemática da ferida da lança
na região lateral do hemitórax direito cerca de 16X 5 cm (imagem ventral)
Esses fluidos extrudiram através de um trajecto lesional
intra-toráxico, NÃO DE UMAS BORRADELAS EXTERNAS COM UMA ESPONJA!!!! num manequim de plástico.
Fig-3 Experiência de
simulação da mancha da ferida da lança (Garlaschelli e Borrini)
No que respeita às manchas sanguíneas na região lombar da
imagem dorsal do Sudário esse mesmo cirurgião concluiu que elas eram
compatíveis com a posterior extrusão de sangue proveniente da veia cava
inferior, e que refluiu pela auricula direita seguindo o mesmo trajecto
lesional aquando da mudança de posição do corpo de decúbito dorsal para uma
posição de decúbito lateral- assim são explicadas com base realmente científica
e experimental os trajectos do designado «blood belt» do Sudário, bem como a
mancha da «ferida» do lado produzida por uma lança.
Fig 4-Escorrências sanguíneas na região lombar-imagem dorsal no Sudário de
Turim
Constituição das manchas hemáticas
Estudos de microscopia, químicos, físicos e imunológicos
concluíram que as manchas avermelhadas no Sudário de Turim são constituídas por
material hemático (exsudados de coágulos sanguíneos que passaram para o tecido por
contacto com coágulos em lesões na superfície de um corpo), E NÃO POR UMA
MISTURA DE PIGMENTO OCRE VERMELHO (o mencionado óxido de ferro) e vermilião
(cinábrio)
Para além de muitos outros argumentos de caracter científico
que demonstraram inequivocamente que nem a imagem corporal do Sudário nem as
manchas sanguíneas são uma pintura, menciono apenas que os investigadores Jean
Lorre e Donald Lynn da equipe STURP (Shroud of Turin Researh Project- equipe
multidisciplinar que estudou o Sudário de Turim em 1978) aplicaram o método de
análise de imagem FFT (Fast Fourier Transform) utilizado para análise do padrão
de pinceladas em pinturas, e concluíram que o padrão isotrópico obtido
descartava a presença de quaisquer pinceladas.
CONCLUSÃO
Este «estudo» que não é de forma alguma novo, como foi
demonstrado, NEGLIGENCIOU múltiplos aspectos que deveriam ter sido
considerados, e não utilizou dispositivos e materiais capazes de reproduzir as
condições em que as manchas e trajectos sanguíneos possam ter sido produzidas
num crucificado suspenso numa cruz, ou seja, NÃO SEGUIU O MÉTODO CIENTÍFICO,
PORTANTO AS SUAS CONCLUSÕES NÃO TEM NENHUM RIGOR MÉDICO-FORENSE E SÃO PORTANTO
PARA DESCARTAR.
O objectivo ultimo deste não fundamentado pseudo-estudo é
atacar a crença cristã através da desacreditação da autenticidade do Santo
Sudário, pois os seus autores são promotores de trabalhos patrocinados por uma
associação ateísta militante italiana, a UAAR- Unione degli Atei e degli
Agnostici Razionalisti.
Recorde-se que em 2009 essa mesma associação ateísta
«encomendou» um trabalho ao Professor Luigi Garlaschelli no sentido de tentar
reproduzir em tamanho real o Sudário de Turim com a sua imagem e manchas sanguíneas,
e desta forma poder ser afirmado que a
imagem patente no Sudário afinal podia ser reproduzida.
A experiência foi um fracasso nesse sentido, mas o objectivo
dessa associação era descredibilizar o verdadeiro Sudário de Turim , o qual iria
ser exibido em 2010 na Solene Ostensão autorizada pelo Papa Bento XVI.
É de lamentar que uma revista de ciências forenses tenha
aceite para publicação um trabalho tão medíocre e sem seguir critérios
verdadeiramente científicos, e que as notícias na Web valorizem tanto um mau
exemplo do que possa ser um estudo de carácter forense no Sudário, e só por
isso ponham logo em causa a autenticidade do Sudário de Turim, negligenciando
os seus inúmeros atributos que apontam em sentido contrário.
Os verdadeiros estudos forenses realizados por peritos na
área, como o Professor Pierre Barbet, os
Drs. Robert Bucklin, Sebastiano Rodante, Judica Cordiglia, Professores
Frederick Zugibe e Pierluigi Baima Bollone entre outros, permitem concluir que
inequivocamente a imagem e manchas sanguíneas patentes no Sudário de Turim são
de um flagelado e crucificado segundo os
costumes romanos, e que morreu na cruz, perfeitamente em acordo com os relatos
da Paixão nos Evangelhos ,e ao que tudo indica esse flagelado e crucificado é
Jesus Cristo.
Referências bibliográficas
Barbet, Pierre- A Paixão de Cristo segundo o Cirurgião
Edições Loyola, S. Paulo 1980
Borrini,
Matteo Ph D.Garlaschelli, Luigi M.Sc.- A BPA Approach to the Sroud of Turin,
Journal of Forensic Sciences 10 July 2018 . https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1556-4029.13867
Brillante,
Carlo, Fanti, Giulio, Marinelli Emanuella- Bloodstains characteristics to be
considered in laboratory reconstruction of the Turin Shroud, IV Symposium
Scientifique International du CIELT, Paris 25-26 Avril 2002 http://www.sindone.info/BRILLAN2.PDF
Heimburger,
Thibault, M.D. November 2009- Comments about the recent experiment of Professor
Luigi Garlaschelli http://www.shroud.com/pdfs/thibault-lg.pdf
Hermosilla, Alfonso Sanchez-Científicos identifican la
«lanzada» al cadaver que fue envolto en la Sabana Santa y el Sudário de Oviedo https://www.ucam.edu/noticias/cientificos-identifican-la-lanzada-al-cadaver-que-fue-envuelto-en-la-sabana-santa-y-el
Lavoie,G.-Turin
Shroud: a medical forensic study of its bloodmarks and image, Proceedings of
the International Workshop on the Scientific approach to the Acheiropoietos
Images, ENEA Frascati Italy 4-6 May 2010
Lynn,D.J.
Lorre, J.J.- Digital enhancement of images of the Shroud of Turin Proceedings
of the 1977 United States Conference of Research on the Shroud of Turin,
Albuquerque 1977, Holy Shroud Guild, New York 1977 in «Fourier properties of
the Shroud compared to drwings and paintings by O.K. https://shroudofturin.files.wordpress.com/2014/11/shroudfft.pdf
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