REFLEXÃO CRITICA ACERCA DO DOCUMENTÁRIO «O MISTÉRIO DO SUDÁRIO DE
TURIM»
VÁRIAS CONTROVÉRSIAS EM ANÁLISE
Antero de Frias Moreira*
*Médico, Especialista de Medicina
Fisica e de Reabilitação-Membro Executivo do Centro Português de Sindonologia
Fevereiro 2021
No passado dia 1 de Fevereiro o
canal 2 da RTP transmitiu um documentário do New Smithsonian Channel/BBC de
2012, com o titulo em epigrafe.
Embora louvando a iniciativa,
dado ser um tema pouco conhecido, não poderemos deixar de esclarecer uma série
de aspectos que certamente poderão equivocar espectadores menos familiarizados
com o tema do Sudário de Turim/Santo Sudário.
É igualmente nossa convicção que
mesmo quem não viu esse programa poderá tirar partido da leitura deste
trabalho, em termos de aquisição de conhecimentos fidedignos sobre o Sudário de
Turim
Aspectos a salientar para análise:
Não pretendemos de forma alguma
fazer um resumo alargado do documentário, realçaremos apenas os seguintes
aspectos a analisar
1-É feita uma breve introdução
histórica ao Sudário de Turim, sendo referido que «apareceu na cidade de Lirey»
em França em 1390, mas segundo um historiador entrevistado, o Sudário não teria
documentação histórica antes dessa altura
2-Dos aspectos de patologia
forense é mencionado evidência de lesões perfurantes nos tornozelos.
3-É dado um grande realce a
alegadas inscrições de frases em grego e latim na zona da cabeça, e que por si
só atestariam a autenticidade do Sudário conectando-o com Jesus Cristo.
4-São abordados sumariamente os
testes radiocarbono de 1988
5-Teorias de formação da Imagem
Este foi o aspecto mais
desenvolvido
Das várias teorias de formação da
imagem corporal patente no tecido do Sudário foram «seleccionadas» a da reacção
de Maillard (de Raymond Rogers e Anna Arnoldi), defendida pelo perito em imagem
Dr. Barrie Schwortz, e foi «ressuscitada» a velha teoria da «protofotografia»
proposta nos anos 90 do século passado pelo historiador de arte da Universidade
de Johannesburgo-Africa do Sul, Professor Nicholas Allen, bem como a mais
recente tentativa de reprodução em 2009 pelo químico da Universidade de
Pavia-Itália, Professor Luigi Garlaschelli
Assim, a imagem corporal patente
no Sudário, seria produzida naturalmente por um cadáver envolto num pano de
linho, ou em alternativa seria obra de um falsário medieval.
No final o espectador ficaria
convencido que persistem muitas dúvidas relativas à autenticidade do Santo
Sudário, não obstante a imagem nele patente, continua envolta numa bruma de
mistério que a ciência esclarecerá um dia.
Discussão
Dada a complexidade de cada um
dos pontos não iremos efectuar um desenvolvimento extenso, mas sim evocar
aspectos fundamentais.
1-Aspectos históricos
O Sudário foi apresentado pela
primeira vez na Europa Ocidental aos fieis como o Sudário de Cristo ou seja o
Seu lençol funerário com a imagem do Seu Corpo, pelo cavaleiro Geoffroy de
Charny na pequena vila francesa de Lirey (não na cidade) em 1356 ou 1357 e não
em 1390.
Contràriamente ao referido, antes
dessa data há múltiplas referencias ao lençol que envolveu o Corpo de Cristo no
qual estava patente a imagem do Seu Corpo em manuscritos da Cristandade do
Oriente, sendo absolutamente seguro que o Sudário de Cristo esteve em Constantinopla
desde o século X, tendo desaparecido aquando do saque da cidade pelos cruzados
da 4ª Cruzada em 1204, e foi esse mesmo Sudário que foi apresentado aos fieis
em Lirey cerca de 150 anos depois.
2-Aspectos de patologia forense:
A análise forense das manchas
hemáticas (que são efectivamente de natureza sanguínea), evidencia uma
impressionante sequência dos eventos da Paixão de Cristo, muito mais realista,
completa e chocante, do que a relatada nos Evangelhos, e a propósito, as lesões
perfurantes nos membros inferiores são a nível do 2º espaço intermetatarsiano
(parte da frente do pé), e não nos tornozelos.
3-Alegadas inscrições na zona da
cabeça
No programa, é entrevistada a
historiadora e arquivista do Vaticano Drª Barbara Frale a qual defende a teoria
de que as ditas inscrições latinas conectam o Sudário a Jesus Cristo, pois além
de entre outras se ler « Nazarenus», a expressão «in necem» e outras levariam a
concluir que no Sudário estaria inscrita a «sentença de morte» de Jesus Nazareno.
Todavia essas alegadas inscrições não foram descobertas pela historiadora, como o programa dá a entender, antes foram resultado de um prévio trabalho de processamento de imagem dos anos 90 de autoria dos cientistas André Marion e Anne Laure Courage do Institut Optique d’Orsay de Pari
Fig.
1-alegadas inscrições visíveis na zona da cabeça, «realçadas»
Tais achados não são de forma
alguma consensuais entre os peritos de imagem que estudam o Sudário tendo sido
muito contestados como possíveis artefactos, e para além disso historiadores e
linguistas como Mark Guscin contestam o seu sentido lógico e linguístico.
São pois achados bastante
circunstanciais, e de forma alguma a autenticidade do Sudário poderá neles
assentar.
4-Testes radiocarbono 1988
Este tema é abordado «de fugida»
ficando vagamente a noção de que poderia ter sido testada uma zona de restauro
medieval.
Sendo um tema extraordinariamente
complexo resumimos que é uma certeza que os testes de radiocarbono de 1988 que
dataram uma única amostra do tecido 1260-1390, já não podem ser assumidos como
válidos, pois para além de estudos têxteis , de imagem (fotografia de
fluorescência d U.V. e análise multiespectral) e laboratoriais como a
espectroscopia FTIR (Fourier Transform Infra Red ) que concluíram pela natureza
anómala da amostra, vários estudos de análise estatística das sub amostras dos
3 laboratórios envolvidos concluíram pela inhomogeneidade das datações das sub
amostras da mesma.
Tal facto só poderá ser explicado
pela presença de Carbono 14 mais recente, introduzido ou através de
contaminação não removida, ou em alternativa pela datação de uma zona do tecido
alvo de um restauro «invisível» como muito bem concluiu o químico
Professor Raymond Rogers num estudo
laboratorial em 2005.
De qualquer forma é um facto que a amostra testada não é representativa do
resto do tecido do Sudário, e mais recentemente o físico Professor Giulio
Fanti utilizando métodos alternativos de datação de têxteis antigos (método
micromecânico multiparamétrico, FTIR e espectroscopia Raman) datou
remanescentes de tecido do Sudário num «spam» 280 A.C-220 A.D. por outras
palavras é perfeitamente plausível que o tecido do Sudário seja anterior ou do
século I A.D.
5-Teorias de formação da Imagem
Os promotores do documentário
seleccionaram uma teoria de carácter científico, a teoria da reacção
amino-carbonilo ou «Reacção de Maillard» proposta pelos químicos Professor
Raymond Rogers e Anna Arnoldi em inícios de 2000, e «defendida no programa pelo
perito em imagem e fotografia e que integrou a equipe STURP, o Dr. Barrie
Schwortz, e resolveram confrontá-la com a hipótese especulativa do químico
Professor Garlaschelli e com a há muito tempo desacreditada teoria da
«protofotografia» do historiador de arte Professor Nicholas Allen.
Ficaram por mencionar sequer
outras teorias igualmente válidas com suporte
científico teórico e experimental, como a teoria da «descarga de corona»
e de energias radiantes.
5.1-Reacção de Maillard
No que respeita à primeira-
Reacção de Maillard- que teoriza que a coloração que forma a imagem corporal no
Sudário resulta da reacção de aminas voláteis emanadas de um corpo nas
primeiras horas post mortem reagiriam com açucares presentes à superfície do tecido em virtude
de o mesmo ter sido lavado numa solução de «Sapponaria Officinalis» (planta),
defronta-se com algumas dificuldades nomeadamente a física da difusão de gases,
e a impossibilidade de se obter uma imagem com a resolução da do Sudário, assim
como a impossibilidade de microscopicamente coexistirem fibras coloridas ao
lado de fibras não coloridas, como se verifica no Sudário.
Efectivamente, como se viu no
documentário, o tecido tratado com «Sapponaria Officinalis» que esteve em
contacto durante cerca de 3 dias com o cadáver de um porco, não exibia qualquer
imagem, apenas uma coloração amarelada.
5.2-Teoria da «Protofotografia»de
Nicholas Allen
No que concerne à teoria da
protofotografia de Nicholas Allen é posta a hipótese de que um falsário
medieval cerca de500 anos antes da invenção da fotografia por Nicephore Niepce
em 1822, teria à sua disposição materiais para obter num lençol uma imagem
fotográfica de um corpo suspenso- uma câmara escura, uma lente de quartzo e um
lençol impregnado de sais de prata (nitrato ou sulfato de prata).
O corpo (cadáver) seria exposto à
luz solar durante dias, formar-se-ia uma imagem latente no lençol e a imagem
seria depôs fixada com amónia (substância presente na urina) pela impregnação
do tecido com urina.
A urina removeria a prata ficando
uma imagem residual no tecido com a mesma tonalidade amarelada da imagem do
Sudário.
No trabalho experimental que
publicou, utilizando uma estátua e uma lente de quartzo (diga-se que preparada
com tecnologia actual…), afirma que a imagem é idêntica à do Sudário em termos
de não direccionalidade, de coloração, superficialidade comporta-se como um
negativo fotográfico, tem tridimensionalidade, e não haveria resíduos de prata
no lençol tal como no Sudário.
Todavia a realidade é
completamente diferente
Contràriamente à assumpção do
proponente, não há historicamente qualquer referencia ao desenvolvimento de
técnicas fotográficas no período medieval nem há qualquer imagem fotográfica
desse período, o proponente baseou-se sim em conhecimentos mais recentes, sendo
certo que a lente utilizada não poderia ter sido produzida com tecnologia
medieval.
O alegado corpo suspenso,
entraria em decomposição durante os vários dias de exposição à luz solar!
Também, contràriamente à imagem do Sudário
que não é direccional, essa imagem é nitidamente direccional, em função da
reflexão luminosa a partir da estátua, tem contornos perfeitamente definidos
contrariamente à do Sudário, e embora tenha algumas características de negativo
fotográfico não apresenta (nem poderia apresentar) qualquer codificação
volumétrica/tridimensional.
Para além disso embora seja
questionável do ponto de vista químico, que a amónia removeria «toda a prata»
certamente que se o pano que empregou fosse submetido a análise por
Fluorescência de RX ou Espectrometria de Massa métodos altamente sensíveis
capazes d e detectar 1 parte por bilião!!! Seriam encontrados resíduos de
prata!! ( no Sudário não foi detectado qualquer resíduo de prata na imagem
pelos referidos métodos).
Alem disso e não menos importante,
não respeita o facto de que no Sudário não há imagem sob as manchas hemáticas,
o que quer dizer que a imagem se formou depois, pois aqui as «manchas
sanguíneas» teriam de ser pintadas sobre a imagem!
Não nos parece pois que esta
teoria tenha fundamentação científica e muito menos que as imagens obtidas
sejam comparáveis à do Sudário, e há muito que foi desacreditada, pelo que
convidamos os nossos leitores a julgarem por si.
5.3- O «Sudário de Garlaschelli»
Por ultimo, relativamente ao
famoso «sudário de Garlaschelli» este resultou de uma experiência financiada
por uma associação ateísta italiana no sentido de «provar» que seria possível a
um falsário medieval produzir uma imagem corporal em tecido exactamente igual à
do Sudário de Turim.
Realço que o objectivo desta
experiência efectuada em 2009, era desacreditar o Sudário que iria ser exibido
em solene Ostensão em 2010.
Bàsicamente o método foi cobrir
um voluntário utilizando uma mascara com um baixo relevo copiado da face do
Sudário e na ultima experiência (houve várias tentativas com diferentes
processos), foi utilizado acido sulfúrico diluído (que actuaria como oxidante
da celulose do linho) misturado com azul de cobalto (posteriormente removido),
pincelado sobre os relevos corporais de um voluntário coberto num lençol de
linho, após o que o tecido era aquecido num forno para simular envelhecimento.
No final as manchas e trajectos
sanguíneos foram pintadas por cima da imagem com uma solução aquosa de uma
mistura de ocre vermelho, cinábrio e alizarina, e para completar foram
efectuados buracos no tecido com uma tocha de gás (para simular as queimaduras
do incêndio de Chambery de 1532)
Admitamos que as imagens são
interessantes, embora a nível microscópico sejam absolutamente diferentes no
aspecto de fibras, nomeadamente em termos de coloração e coalescência de
fibras, já no que respeita à imagem em si, falta-lhe a gradação de cor
observável na do Sudário, pois sendo uma imagem obtida por contacto (a do
Sudário não o é) tem necessariamente de haver áreas imagem com transição
abrupta para áreas não imagem, e além disso consoante o físico Keith Propp
concluiu, utilizando um moderno programa de processamento de imagem, não tem
codificação tridimensional comparável à do Sudário.
Fornecemos a imagem da face, lado
a lado com a da face do Sudário de Turim, cada um, mesmo não perito em imagem
que faça a sua apreciação.
Fig 3- Em cima Face do Sudário de Turim. Em baixo face do «sudário de Garlaschelli», evidente transição
abrupta para zonas não imagem; as diferenças são marcadas, a nivel visual
Fig. 4- À esquerda imagem do
negativo fotográfico face do Sudário de Turim sendo aparente a gradação de
tonalidades e a riqueza de pormenores, e à direita face do «sudário de
Garlaschelli» com aspecto grosseiro e evidente transição abrupta para áreas não
imagem (particularmente regiões das orbitas e perinasal)
Apesar da argumentação do
proponente os resultados obtidos -diga-se em abono da verdade, os mais
perfeitos até à presente data- são muito diferentes da imagem original todavia
o problema de que no Sudário de Turim a impressão das manchas sanguíneas ter
precedido a formação da imagem continua
a pôr-se, pois foram pintadas depois da obtenção da imagem.
Para terminar este assunto
recordamos que no programa o Dr. Barrie Schwortz e a antropóloga forense
observaram ao microscópio amostras de tecido das 3 experiências
comparativamente a amostra de tecido-imagem do Sudário
Na experiência da «Reacção de
Maillard» efectivamente a coloração das fibras era semelhante à das fibras do
Sudário enquanto que o aspecto microscópico das outras duas era completamente
diferente.
Tais dados foram-nos fornecidos
pelo próprio Dr. Barrie Schwortz em e-mail pessoal
Não quer isto de forma alguma
dizer que a Reacção de Maillard explica a imagem do Sudário pois apenas foi
considerada a cor-há muitos outros aspectos a ter em conta nomeadamente a
natureza química da coloração, a distribuição da cor em termos de localização
nas fibras, superficialidade da coloração, coalescência de fibras entre outros,
além disso lembramos que não foi obtida qualquer imagem, apenas uma mancha no
tecido.
CONCLUSÃO
Na nossa opinião, que é a de quem
estuda o complexo tema do Santo Sudário de Turim há bastantes anos, recorrendo
a estudos sérios de carácter científico bem como artigos de historiadores crediveis,
este documentário, ressalvando alguns aspectos, em nada contribui para
divulgação de conhecimentos fidedignos da sagrada relíquia.
Efectivamente para além de
imprecisões históricas e médico-forenses
detem-se em pormenores irrelevantes como as alegadas «inscrições» no Sudário, e
aborda de uma forma fugaz e pouco esclarecedora a controvérsia dos testes
radiocarbono de 1988 deixando, continuar a pairar a «sombra» da datação
radiocarbono, que sabemos estar já seguramente descredibilizada pelos estudos
mais recentes.
Para agravar a situação, coloca
no mesmo plano uma teoria com suporte científico ( a da reacção de Maillard)
com teorias e experiências especulativas cujo denominador comum é tentar provar
que o Santo Sudário de Turim foi não mais do que uma sofisticada falsificação medieval,
e assim excluir qualquer ligação com o Corpo de Jesus Cristo.
Para além disso o documentário transmite
a ideia de que mesmo que o Sudário fosse autêntico, a imagem nele patente seria
um facto simplesmente natural, explicado cientificamente (reacção de Maillard)
descartando qualquer acontecimento transcendente relacionável com a
Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Todavia a realidade é bem
diferente pois não existe na História nem nos anais de Medicina Forense,
qualquer registo de um cadáver ter produzido uma imagem no lençol que o
envolvia, e muito menos uma imagem com as características macroscópicas,
microscópicas físicas e químicas da imagem corporal com as marcas da Paixão ,
patente no tecido do Santo Sudário de Turim.
Até à presente data, com todos os
conhecimentos sobre a imagem a nível microscópico, físico e químico, NÃO FOI
POSSIVEL REPRODUZIR A IMAGEM DO SANTO SUDÁRIO, a qual continua a ser um foco de
atracção para a verdadeira Ciência , continuando actuais as palavras do Papa S.
João Paulo II «Um desafio à inteligência».
Em suma, os documentários sobre o
Sudário de Turim podem ser informativos e úteis, o que não foi o caso deste,
por isso a razão de ser deste trabalho.
Nota: Não sendo este um trabalho
científico na acepção do termo, não foi referenciado no texto o suporte
bibliográfico, todavia tudo o que se afirma está fundamentado nos vários
trabalhos e artigos mencionados nas
Referências, sendo fornecido o link de acesso sempre que disponivel
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new CNN documentary and further comments on the medieval photograph theory»
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22-Schwortz, Barrie M e-mail
pessoal 07/02/2021
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